Em um editorial sobre a economia brasileira, o Financial Times qualifica uma série de dados aparentemente positivos como uma “mera fachada” que esconderia um pobre crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e medidas equivocadas do governo de Dilma Rousseff que estariam paralisando a economia. Surpreende a aplicação de critérios tão inapeláveis para o Brasil quando os graves problemas da política econômica britânica são tratados com indulgência. Por Marcelo Justo, de Londres.
Marcelo Justo
Londres – O editorial do “Financial Times” sobre a economia brasileira que levantou tanta polvorosa nos círculos e meios opositores qualifica uma série de dados aparentemente positivos como uma “mera fachada” que esconderia um pobre crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e medidas equivocadas do governo de Dilma Rousseff que estariam paralisando a economia. Surpreende a aplicação de critérios tão inapeláveis para o Brasil quando a política econômica britânica encontra um trato infinitamente mais matizado para seus problemas.
O “Financial Times” tem sido um crítico moderado do programa de austeridade impulsionado pela coalizão conservadora-liberal democrata desde que assumiu o governo em maio de 2010. Em seus editoriais, tem combinado uma análise dos dados macroeconômicos, que inclui uma recessão e uma estagnação de três anos, ponderando a possibilidade de que os draconianos ajustes do governo levem à diminuição do déficit fiscal e do estímulo da confiança dos investidores que garantem o crescimento. Esta ponderação, tão ajustada ao “fair play” que idealizam os britânicos, ocorre em meio a dados francamente aterrorizadores.
Em outubro de 2010, a coalizão anunciou um corte fiscal equivalente a 160 bilhões de dólares para seus cinco anos de governo com o objetivo de eliminar o déficit estrutural para 2015. Hoje é claro que o ministro de Finanças, George Osborne, fez mal as contas. Apesar de o gasto fiscal ter caído 10% em termos reais desde a posse a coalizão e de terem sido agregados cerca de 35 bilhões de dólares em aumentos de impostos, o governo esticou o período de austeridade até 2018 e está envolvido hoje em uma luta interna interministerial para buscar um recorde adicional equivalente a quase 20 bilhões de dólares que deverá ser anunciado no fim de junho. Mesmo somando o impacto de todas essas medidas, o déficit será cinco vezes maior do que o que calculou Osborne em 2010.
O impacto econômico-social deste ajuste é óbvio. No ano passado, a economia entrou em recessão – dois trimestres sucessivos de contração -, conseguiu levantar a cabeça na metade do ano e voltou a se contrair no último trimestre: ao longo de todo o ano, o crescimento foi de 0,2%. O primeiro trimestre de 2013 conseguiu evitar o que teria sido um papelão: uma segunda recessão em 15 meses. No entanto, esta semana, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) baixou novamente a projeção de crescimento de 0,9% para 0,8%.
O PIB é um instrumento pouco sutil de medição econômica (se duas pessoas jantam e uma o faz de modo suntuoso enquanto a outra consome só pão e água, a conta final – o PIB da mesa – dirá que se tratou de uma janta maravilhosa apesar de um dos dois quase ter morrido de fome). Quando se fala sobre o PIB fica claro o nível de deterioração social que o Reino está vivendo sob este programa. Os salários foram terrivelmente rebaixados em relação à inflação. No período 2011-2012, o salário médio aumentou 1,4% enquanto que a inflação aumentou 3,5%.
O aumento de impostos, a queda do investimento público, o enxugamento dos serviços estatais e o escasso controle das empresas de serviços básicos privatizadas pelo thatcherismo (gás, eletricidade, etc.) confluíram para gerar a pior queda do padrão de qualidade de vida em décadas. O desemprego de 7,8% mascara uma realidade de trabalhos temporários e salários de miséria. Uma quarta parte da população economicamente ativa, cerca de oito milhões de pessoas, tem empregos precários e salários de miséria. Segundo a ONG Save the Children, há mais de um milhão e meio de menores de 16 anos que vivem na pobreza.
Esta disparidade é muito maior quando se compara o próspero sul do país – com Londres no coração geográfico-econômico – com o norte. O corte de gasto social e a reestruturação do Estado estão impactando com especial força o norte, mais dependente do emprego estatal. Mas Londres também sofre o ajuste e a desastrosa política de moradia que se seguiu à privatização da habitação social durante o thatcherismo. Uma pesquisa realizada em março pela ONG Shelter diz que 55% da chamada “generation rente” – jovens que alugam – pensam que jamais alcançarão o sonho da casa própria.
Se, para alguns, se trata do sonho da casa própria, para outros é o desejo de ter ao menos um teto em um país com duríssimos e prolongados invernos que se estendem até 5 ou 6 messes ao longo do ano. Em 2012, aumentou em 70% o percentual de desalojamentos de pessoas que não puderam pagar o aluguel. Os indivíduos que se declararam em bancarrota se situam em torno das 100 mil pessoas, mas este número é sustentado com alfinetes pelos chamados devedores zumbis: aqueles que só podem pagar o juro de sua dívida.
A OCDE não está sozinha entre as organizações “ortodoxas” que baixaram o polegar para a economia britânica: na semana passada o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) sugeriu a Osborne que aumentasse o gasto público e moderasse o ajuste. Por sua parte, em fevereiro, a agência de classificação de risco Moody baixou a nota da dívida soberana do Reino Unido. O golpe foi monumental para George Osborne que, repetidas vezes, havia justificado a necessidade de ajuste fiscal pela manutenção da nota creditícia. Apesar disso, o Financial Times manteve uma postura que misturou a inevitável crítica da política econômica com a indulgência e o benefício da dúvida. No último orçamento governamental, em março deste ano, ao encarar a pergunta sobre se a austeridade havia sido positiva ou negativa, o jornal respondeu com um cauteloso “a verdade é que ninguém o sabe”. Dificilmente, Dilma Rousseff receberá a mesma benevolência.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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