sexta-feira, 21 de junho de 2013

Amorim: ‘Achei que meus telefones estavam sendo gravados’


Ministro da Defesa suspeita ter sido monitorado nos Estados Unidos e diz que sistema americano de espionagem preocupa
A descoberta de um megasistema de espionagem nos Estados Unidos preocupa o Brasil e é preciso investir em “defesa cibernética”. Quem faz o alerta é o ministro da Defesa, Celso Amorim. Ele próprio desconfia que possa ter sido alvo de escutas telefônicas no passado.

O ministro advoga o desenvolvimento de um pensamento de defesa para a região, que priorize os recursos naturais. “O Brasil é um país muito rico, tem muitas reservas naturais. Esses recursos podem ser objeto de cobiça.” Para ele, é necessário criar uma base industrial de defesa comum na América do Sul.

Nesta entrevista, concedida na última terça-feira em São Paulo, Amorim, 71, também comenta as manifestações pelo país –que, na sua visão, refletem o distanciamento entre as estruturas de governo e a população.

Folha – O que está acontecendo no Brasil?

Celso Amorim – Não é só no Brasil. É um enigma que temos que decifrar. Não temos problema de desemprego entre os jovens como ocorre na Europa. Há, talvez, um desejo de maior participação. Não é nesse governo ou no anterior. É uma coisa genérica que aflora de tempos em tempos. É preciso entender as razões desse mal-estar. As estruturas de governo em geral acabam levando a um certo distanciamento entre a população e o poder, qualquer que seja o poder. As razões podem ser difusas. Talvez isso acentue a necessidade de uma reforma política que aproxime as estruturas de poder dos cidadãos em geral.

Como o sr. analisa essa megaespionagem envolvendo governo e empresas privadas descoberta nos EUA?

Vou fazer uma brincadeirinha. Fiquei até decepcionado que, em 2009, eles se interessaram pela Turquia, África do Sul, Rússia e não se interessaram pelo Brasil [risos]. É porque falamos tudo com muita clareza, talvez. Em 2009, tive uma reunião com o ministro das Relações Exteriores inglês. Não sei se a nossa reunião não foi gravada também [risos].

Como isso afeta o Brasil?

Isso faz parte desse mal-estar não só no Brasil, mas no mundo. Essa ideia de que há um controle total sobre a vida dos cidadãos, que a liberdade é permanentemente cerceada. No Brasil, que eu saiba, não ocorre nada parecido.

Mas os brasileiros conectados às redes sociais estrangeiras não podem estar sendo espionados por esse esquema?

Podem também, é óbvio. Mas o que se conhece é mais das agências norte-americanas. Não me consta que nada tenha saído sobre as agências brasileiras. Mas brasileiros podem ser, sim. É uma coisa especulativa. Pessoas que estão em posições-chave podem ser objeto de uma vigilância mais constante. Vou dizer francamente: em dois momentos achei que os meus telefones estavam sendo gravados. Um, quando eu morava nos EUA e era embaixador na ONU. Cuidava de três comissões sobre a questão do Iraque. Meu telefone começou a fazer um ruído muito estranho e, quando acabou a comissão sobre o Iraque, acabou o ruído também. Ali havia um foco óbvio.

O sr. pediu investigação?

Não, porque o que eu falava lá falava em público. Curiosamente, quando saí do governo Lula, continuei com muitas atividades, participei de simpósios sobre a questão nuclear, a questão do Irã, e recebia telefonemas de embaixadas. Também achei estranho meu telefone particular aqui no Brasil, no Rio. Mas também já sumiu. Descobriram que sou ministro da Defesa, ficaram mais… Eu não sei quem. Foram duas situações que eu suspeito, mas nem tenho certeza. Nem de onde partiu, nem o que foi. Pode ter sido coincidência, mas a gente desconfia das coincidências.

Do ponto de vista da defesa, isso preocupa o Brasil?

Claro, por isso temos que ter a defesa cibernética. Para evitar que entrem nos nossos sistemas, que saibam o que a gente está planejando. Por isso criamos um centro de defesa cibernética no Exército, com recursos que não se comparam com o que eu acho que seria necessário. Deve ser mais ou menos um terço do que gasta a Inglaterra em defesa cibernética, cerca de R$ 70 milhões.

O sr. falou de recursos insuficientes. É preciso aumentar os gastos em defesa?

A área de defesa tem sido razoavelmente bem tratada dentro desse contexto de dificuldades. É razoável pretendermos um aumento progressivo. Hoje em dia temos 1,5% do PIB em gastos com defesa. A média dos Brics é 2,5%. Em dez anos, deveríamos chegar a 2%.

Quando se pensa em defesa, se pensa em novas ameaças: pirataria, narcotráfico, terrorismo. Mas não podemos estar seguros de que as chamadas velhas ameaças não se reproduzirão. O Brasil é um país muito rico, tem muitas reservas naturais. Esses recursos podem ser objeto de cobiça.

FONTE: Folha (reportagem / entrevista de Eleonora de Lucena), via resenha do Exército


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