O mito da necessidade de armas nucleares
Há cinco anos, quatro gigantes da política externa dos EUA – os ex-secretários de estado George Shultz e Henry Kissinger, o ex-secretário de defesa William Perry e o ex-senador Sam Nunn – defenderam "um mundo sem armas nucleares", dando um novo ímpeto a uma ideia que tinha saído das margens do idealismo pacifista para o centro do debate da política externa.
Os 76 milhões de americanos que nasceram no pós-guerra cresceram durante a Guerra Fria, quando o grande medo das armas nucleares permeava a vida americana – desde os exercícios escolares de se agachar e se cobrir até os abrigos de fundo de quintal contra precipitação radioativa. Então, nos anos 80, a liderança do Presidente Ronald Reagan, combinada com os imensos protestos antinucleares, culminou nas negociações com a União Soviética que reduziram drasticamente o tamanho do arsenal nuclear das duas superpotências.
Infelizmente, o movimento de abolição parece estar parado. Parte do motivo é o medo das armas nucleares nas mãos dos outros países: o Presidente George W. Bush explorou as ansiedades sobre as armas nucleares para justificar a invasão do Iraque em 2003; a maioria dos candidatos republicanos à presidência no ano passado disse que preferiria entrar em guerra com o Irã a permitir que o país consiga a bomba.
Também existe um pequeno grupo de pessoas que ainda acreditam ardentemente nas armas nucleares. O Presidente Barack Obama teve de comprar a aprovação do novo tratado START com a Rússia, em 2010, com a promessa de gastar R$ 378 bilhões (185 bilhões de dólares) a fim de modernizar as ogivas nucleares e os sistemas de lançamento no prazo de 10 anos – revelando que, embora o apoio às armas nucleares possa não ser amplo, ele tem raízes profundas. Esse apoio resiste por conta de cinco mitos amplamente difundidos.
O primeiro é o mito de que as armas nucleares alteraram o curso da Segunda Guerra Mundial. Deixando de lado a moralidade da decisão dos EUA de lançar bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, uma nova pesquisa do historiador Tsuyoshi Hasegawa e de outros acadêmicos demonstra que o Japão se rendeu não por causa da bomba atômica, mas porque os soviéticos renunciaram à neutralidade e entraram na guerra. Sessenta e seis cidades japonesas já tinham sido destruídas por armas convencionais – duas a mais não fariam diferença. Atribuir a rendição à bomba também foi conveniente para os líderes japoneses, permitindo-lhes pôr a culpa da derrota em uma arma "milagrosa".
O segundo é o mito da "destruição decisiva". Destruição em massa não ganha guerras; matar soldados, sim. Nenhuma guerra jamais foi vencida simplesmente por matar civis. O cerco a Leningrado, de 1941 a 1944, não evitou que os líderes soviéticos apertassem a luta contra Hitler. Tampouco as bombas incendiárias em Dresden em 1945 forçaram a Alemanha a se render. Enquanto um exército tiver uma probabilidade mínima de vitória, as guerras continuam. Construir armas cada vez mais destrutivas simplesmente aumenta o terror da guerra, não a certeza de encerrá-la.
O terceiro é o mito da dissuasão nuclear confiável. Inúmeros líderes se arriscaram e agiram agressivamente durante crises nucleares. Em 1962, o Presidente John F. Kennedy e seus conselheiros sabiam que bloquear Cuba arriscaria provocar uma guerra nuclear; eles mencionaram a possibilidade 60 vezes enquanto debatiam outras opções. No entanto, seguiram em frente. Os proponentes das armas nucleares poderiam argumentar que nenhuma crise da Guerra Fria jamais irrompeu em uma guerra nuclear, assim a persuasão deve funcionar. Mas estão modificando as regras do jogo.
Originalmente, alegava-se que as armas nucleares garantiriam o sucesso nas negociações, impediriam qualquer forma de ataque – convencional ou nuclear – e permitiriam que os países protegessem seus aliados com um guarda-chuva nuclear. Quando os russos não se intimidaram durante as conversas após a Segunda Guerra Mundial, o argumento das negociações foi derrubado. Quando as guerras do Yom Kippur e das Malvinas demonstraram que era possível lutar contra países que tinham armas nucleares, a alegação da prevenção de guerra convencional foi derrubada. A alegação da proteção nuclear deveria ter sido derrubada ao mesmo tempo, mas havia muitos aspectos da política externa americana que dependiam dessa alegação para que se pudesse defender esse argumento. Afinal, se os ingleses não puderam deter um ataque em suas próprias ilhas longínquas, como a dissuasão poderia evitar ataques em outros países?
O quarto é o mito da paz duradora: o argumento de que a ausência de guerra nuclear desde 1945 significa que as armas nucleares "mantiveram a paz". Mas não aceitamos ausência como prova em qualquer circunstância onde o risco real existe. Não voaríamos em uma companhia aérea que alegasse ter inventado um dispositivo que impede a fadiga dos metais, e provasse isso equipando 100 aviões com os dispositivos por um ano sem ter um único acidente, e então, de repente, encerrasse todas as inspeções e reparos do desgaste dos metais, e decidisse, em vez disso, confiar unicamente nesses novos dispositivos.
O último mito, e o mais teimoso, é o da irreversibilidade. Sempre que os idealistas dizem que querem abolir as armas nucleares, supostos realistas balançam a cabeça e dizem, em tons de paciente condescendência: "Não há como colocar o gênio nuclear dentro da lâmpada novamente".
Esse é um argumento capcioso. É verdade que nenhuma tecnologia jamais é "desinventada", mas tecnologias caem em desuso o tempo todo (se você não acredita, tente conseguir suporte técnico para qualquer produto eletrônico com mais de três anos). Dispositivos desaparecem tanto porque são substituídos por uma tecnologia melhor quanto simplesmente porque não eram bons. A questão não é se as armas nucleares podem ser "desinventadas", e sim se são úteis. E a utilidade delas é questionável, já que ninguém encontrou uma ocasião para usá-las em mais de 67 anos.
Nem todo mundo quer armas nucleares. O que a maioria das pessoas não percebe é que 12 países ou abandonaram seus programas nucleares, ou desmontaram armas existentes, como a África do Sul no começo dos anos 90, ou as entregaram, como o Cazaquistão após a queda da União Soviética em 1991. Em contraste, apenas nove têm armas nucleares hoje (Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França, China, Índia, Israel, Paquistão e Coreia do Norte).
Geralmente, presume-se que Israel seria a última nação a desistir das armas nucleares, considerando a sua história e um profundo sentido de responsabilidade de proteger o povo judeu após os horrores do Holocausto. Mas Israel tem uma força militar convencional poderosa, é aliado da nação mais poderosa do mundo, e seus líderes têm uma apreciação aguçada das realidades militares. Eles entendem que as armas nucleares são uma ameaça maior para países pequenos do que para os grandes. Vinte armas nucleares usadas em Israel causariam bem mais danos sobrepostos do que 20 usadas no Irã.
Países pequenos sempre foram vulneráveis. Em um mundo sem armas nucleares, eles se preservariam como sempre o fizeram: formando alianças com os poderosos e evitando confrontar os países vizinhos.
A França, não Israel, seria provavelmente o último país a desistir das armas nucleares, que ajudam a manter a sua imagem como potência mundial. Em um mundo sem armas nucleares, a França seria apenas outra potência média com uma ótima culinária. O valor real das bombas nucleares é como símbolo de status, não como armas práticas.
Os EUA e outras potências nucleares devem buscar a abolição gradual das armas nucleares, mas não será fácil. Muitos líderes têm pouco interesse em abrir mão do poder, real ou aparente. Qualquer acordo teria de incluir inspeções rigorosas e salvaguardas abrangentes. Teria que incluir todos os estados com armas nucleares em um processo diplomático complicado. Mas a proibição de outros armamentos perigosos, porém desajeitados, como armas químicas e biológicas, já foi negociada na história. Essas proibições – como as leis – às vezes, são desrespeitadas. Mas o mundo é bem mais seguro com elas do que sem.
Como Reagan sabia, as armas nucleares tornam o mundo mais perigoso, e não o contrário. Imagine armar um guarda de banco com dinamite e um isqueiro e terá uma boa ideia da utilidade das armas nucleares: são poderosas, mas muito desajeitadas para usar.
As armas nucleares nasceram do medo, foram alimentadas pelo medo e mantidas pelo medo. Elas são dinossauros – um impasse evolucionário. A tendência na guerra hoje aponta para armas menores, mais inteligentes, mais eficientes e guiadas com precisão. As armas nucleares – extremamente perigosas e não muito úteis – são a onda do passado.
(Ward Wilson, pesquisador sênior do Centro James Martin de Estudos da Não Proliferação no Instituto Monterey de Estudos Internacionais, é autor do livro "Five Myths About Nuclear Weapons" – em tradução livre, "Cinco Mitos Sobre as Armas Nucleares", ainda inédito no Brasil.)
Fonte: R7
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