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Os norte-americanos alteraram a sua conceção de defesa antimíssil (DAM), o que proporciona ao Kremlin uma chance singular de estreitar suas relações com a Casa Branca. Para tal, Moscou não deve reparar nos subsequentes lances de Washington no tabuleiro da DAM, dizem alguns analistas norte-americanos. Contudo, o fato de estes lances se deslocarem para o flanco oriental não passou despercebido em Pequim.
Como é bem sabido, há uma semana, os EUA declararam ter decidido repensar o sistema de defesa antimíssil a ser criado, reorientando-o para o flanco norte-coreano. Washington suspendeu a criação da chamada quarta fase do sistema DAM na Europa. O que quer dizer que, em 2020, os mísseis intercetores norte-americanos SM-3 IIB não irão ser estacionados na Polônia e Romênia, países próximos das fronteiras da Rússia.
Esta decisão proporciona à Rússia uma oportunidade perfeita para pôr fim à cantilena infinita de discussão com os Estados Unidos sobre as questões da defesa antimíssil, tão sensíveis para Moscou. Tal é a conclusão a que chega em seu artigo Richard Weitz, colunista da World Politics Review (WPR) e especialista sênior do Hudson Institute, de Washington. O autor carateriza de maneira respeitosa o presidente russo, assinalando que Vladimir Putin é um político muito pragmático e o único capaz de fechar a polêmica em torno da DAM para estabelecer relações de confiança com os Estados Unidos. Ao exemplificá-lo, lembra que o chefe de Estado russo já teria supostamente feito uma opção similar em 2001, quando, para não prejudicar a colaboração bilateral em matéria de combate ao terrorismo, não deu o alerta após a administração de George W. Bush ter decidido sair unilateralmente do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos.
Por outras palavras, o perito encontrou uma solução muito simples para um problema militar e político complicado: a Rússia pura e simplesmente não deve prestar atenção ao desenvolvimento subsequente do programa antimíssil norte-americano. A criação das três fases anteriores da DAM europeia já estão quase a terminar, enquanto a quarta fase irá ser alterada: quatorze mísseis intercetores adicionais e a segunda estação de radar serão instalados, respectivamente, no Alasca e no Japão. A par disso, está sendo discutida a questão de localizar mais uma base de antimísseis no estado da Califórnia.
Porquanto os EUA não alteraram, na essência, sua posição, Moscou não vê quaisquer concessões a favor da Rússia. Uma fonte no Ministério das Relações Exteriores da Rússia comentou a situação, enfatizando que as mudanças do programa antimíssil norte-americano não correspondem de maneira nenhuma à posição de Moscou, que exige garantias jurídicas obrigatórias de que o programa não é dirigido contra o potencial estratégico nuclear russo. Recordemos que, em março de 2012, no limiar da corrida presidencial estadunidense, Barack Obama prometeu a seu homólogo russo de então, Dmitri Medvedev, que, no caso de ser reeleito, mostraria flexibilidade em relação ao problema da DAM. No entanto, como salientaram na chancelaria russa, ainda não há motivos para falar numa maior flexibilidade dos norte-americanos.
A decisão de Washington de não realizar agora a quarta fase europeia da DAM não significa de nenhuma maneira que não seja realizada no futuro, assinalou em entrevista à Voz da Rússia o vice-diretor do Instituto dos EUA e do Canadá, Pavel Zolotarev:
“O presidente Obama tinha proclamado uma abordagem adaptativa da articulação do sistema de defesa antimíssil. Adaptativa, quer dizer, que pode adaptar-se a várias realidades em função das ameaças procedentes deste ou daquele flanco. A decisão tomada recentemente, em primeiro lugar, é uma resposta a essa abordagem. Mas, por outro lado, é uma decisão forçada, motivada pelos problemas econômicos dos Estados Unidos e condicionada pela procura de eventuais vias de cortar o orçamento. Não obstante, quando se dão situações semelhantes, os norte-americanos, regra geral, não rejeitam este ou aquele projeto de desenvolvimento. Costumam travar, congelar o financiamento num nível mais baixo, mas quando a situação se torna mais favorável, continuam a obra e aumentam o financiamento. Contudo, essa decisão, não há dúvida, ajudará a fazer concessões mútuas na procura de variantes de solução.”
Na realidade, como informou o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Ryabkov, no início desta semana, durante as negociações em Genebra com sua homóloga Rose Gottemoeller do Departamento de Estado dos EUA, foram apresentados novos dados à parte russa no contexto de resolução do problema da DAM. “A matéria introduz uma certa novidade na situação, mas agora não ousaria avaliar se as decisões tomadas pela administração dos EUA têm um sinal de mais ou o de menos”, diz o diplomata, citado pela RIA Novosti. De acordo com Serguei Ryabkov, ainda não há uma resposta inequívoca sobre as consequências que as recentes decisões da administração norte-americana possam ter para a segurança da Rússia.
Entretanto, as consequências da modificação da concepção norte-americana da DAM já foram avaliadas na China. Segundo informações de agências noticiosas, o Ministério das Relações Exteriores deste país assinalou que o reforço do sistema norte-americano de defesa antimíssil na Região Ásia-Pacífico não resolverá o problema da ameaça nuclear procedente da Coreia do Norte, mas provocará, sim, o agravamento da confrontação.
A recusa dos Estados Unidos de procederem à realização da quarta fase do sistema de defesa antimíssil na Europa não significa, em realidade, que Washington se recuse a desenvolver este programa, sublinhou em entrevista à Voz da Rússia o diretor do Centro de Conjuntura Estratégica, Ivan Konovalov:
“Na verdade, acaba de produzir-se uma situação em que os norte-americanos não vão ao nosso encontro, mas sim, por causa de determinadas circunstâncias e inclusive razões financeiras, simplesmente se recusam a realizar essa fase dispendiosa. Mas, por outro lado, eles estão reforçando o flanco da Ásia-Pacífico: serão instalados antimísseis adicionais no Alasca e um radar, também adicional, no Japão. Quer dizer que a ênfase está sendo deslocada em maior grau em direção à Coreia do Norte, e Pequim, enquanto aliado de Pyongyang, tem agora, bem como a Rússia, muitos motivos para expressar sua inquietação pela criação da defesa antimíssil.”
Contudo, as novas circunstâncias proporcionam à Rússia uma oportunidade de jogar com o balanço de forças, conjetura Ivan Konovalov, visto que, a partir de agora, a China também irá ser envolvida na polêmica em torno da defesa antimíssil. Este aspecto novo pode ser utilizado – quer do ponto de vista do pragmatismo, quer no que toca à política real – para uma maior aproximação entre Moscou e Pequim. Entretanto, os norte-americanos obtiveram, nesta questão, um terceiro oponente. Já a Rússia obteve um espaço adicional para manobrar, resolvendo com maior vantagem para si os problemas políticos que surgem entre Moscou e Washington.
No que respeita às recomendações acima referidas, nas quais Richard Weitz exorta a Rússia a terminar a controvérsia sobre a DAM, Moscou, ao que parece, irá proceder desta maneira se se convencer definitivamente de que a flexibilidade prometida por Barack Obama não será só uma promessa. A Rússia lamentará abandonar a discussão, mas fá-lo-á sem sentir constrangimento, porquanto é sempre possível encontrar respostas dignas – tanto simétricas como assimétricas – para quaisquer desafios.
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