Brasil será decisivo para estabilidade regional pós-Chávez
Presidente Dilma Rousseff cumprimenta o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em julho de 2012
Foto: Ueslei Marcelino / Reuters
Analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que a morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, deixou um vazio político na América Latina que pode ser ocupado pelo Brasil, o qual deve assumir agora um papel decisivo para manter a estabilidade regional.
Para Guillermo Holzmann, professor de ciências políticas da Universidade do Chile, “o Brasil exerce uma liderança natural na região, que é expressada em uma rede de influência e de forma discreta”, disse Holzmann. “O Brasil tem interesses voltados para ser um ator mundial e, na região, para ser um orientador e articulador dos países.”
Ele acrescentou que, no entanto, (a partir de agora) “o Brasil deve atuar para manter a estabilidade regional e impedir a radicalização”, o que significa, reiterou, “uma influência discreta, mas eficaz, sobre vários países”.
Neste novo cenário, por exemplo, o Brasil poderia ter uma maior participação nas negociações com o grupo guerrilheiro colombiano Farc.
Por sua vez, Marcel Vaillant, professor de comércio internacional da faculdade de ciências sociais da Universidade da República do Uruguai, acredita que seria “útil” para a América do Sul que o Brasil “voltasse a liderar a região (como um todo) porque assim as instituições democráticas e dos blocos (como Mercosul) estariam garantidas muito além da intenção política dos governantes”.
Entre os especialistas e observadores, comenta-se que o Brasil será fundamental na etapa de transição venezuelana, pelo menos até a eleição presidencial de 14 de abril.
Substituindo Chávez
Holzmann analisa que a morte de Chávez gera maior impacto entre os países que formam a Alba (Aliança Bolivariana das Américas) e nos chamados “movimentos bolivarianos” que respondiam principalmente ao líder venezuelano.
Em declarações a jornais venezuelanos e argentinos, o cientista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela (UCV), disse, nesta semana, que Chávez “captou o apoio de alguns governos, mas ele sempre esteve limitado pela eficaz diplomacia brasileira”.
No entender do analista chileno, o Brasil não assumirá agora o papel de Chávez, embora o venezuelano “precise de um sucessor no cenário latino-americano”.
Ele crê que dificilmente líderes brasileiros, sendo Lula ou Dilma, aceitariam as propostas do “socialismo do século 21″ e a “revolução bolivariana” defendidas pelo venezuelano.
Vaillant especula que o vazio deixado por Chávez “poderá ser ocupado por outro presidente, como Cristina Kirchner, junto aos que formam o eixo bolivariano, caso o Brasil não preencha esse espaço”.
Esquerda ‘vermelha’ X esquerda ‘rosa’
A morte de Chávez também vem reavivando as discussões comparativas entre as políticas de Chávez com as da chamada esquerda “rosa”, mais afeita às regras de mercado e menos ativista no campo do anti-imperialismo, e que tem Lula como seu expoente máximo.
Muitos questionam se o desaparecimento do maior expoente da esquerda “vermelha” na América Latina implicará uma mudança no equilíbrio de forças que beneficie a esquerda “rosa” no continente.
Para o diretor do Interamerican Dialogue, Michael Shifter, esse embate já se resolveu “há alguns anos”, à medida que o modelo brasileiro de capitalismo com preocupação social gerou frutos econômicos e fez avançar o desenvolvimento do país, ao passo que o modelo venezuelano teve como efeitos colaterais uma elevação das tensões e o aprofundamento das dependências econômicas do país.
A Venezuela de Chávez deve grande parte de sua influência no continente a iniciativas de economia solidária – “bolivariana” – pelas quais ajuda países economicamente mais frágeis e vulneráveis, como os centro-americanos e caribenhos.
Muitos consideram que a mais bem sucedida destas é a Petrocaribe, um acordo regional que permite aos países receber petróleo venezuelano a preços especiais, pagando em prazos longos e em espécie, com produtos que vão de arroz e feijão a calças de vestir.
‘Influência em declínio’
Um novo governo bolivariano provavelmente manterá os contratos anteriores, firmados sob a ideologia chavista, maior legado de Chávez.
Mas mesmo se não for esse o caso, Shifter não crê que outros países da região, como o Brasil ou os EUA, se voluntariem necessariamente para preencher o vácuo.
“Creio que a Venezuela experimentará um declínio de influência na região, mas não creio que nenhum outro país vai querer preencher esse vácuo”, afirma.
“Ninguém tem os recursos petroleiros que a Venezuela tem, e ninguém tem a visão e a ambição que Chávez tinha em termos de como usar esses recursos”, diz.
Além disso, não obstante o viés ideológico das iniciativas, nenhuma requer que os países aceitem replicar domesticamente o modelo de socialismo venezuelano.
Ou seja, os países podem perfeitamente aceitar os benefícios concedidos pela Venezuela e ainda assim manter os olhos no modelo brasileiro.
Shifter descreve esta situação como “puro pragmatismo”.
“Estes são países que estão diante de desafios econômicos enormes, e procuram, compreensivelmente, tirar proveito de todas as opções”, avalia. “Para eles, não se trata de estar de um lado ou de outro.”
BBC Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário