sexta-feira, 19 de abril de 2013

Refugiados do Haiti lutam por comida e trabalho no norte do Brasil



EPA

Há três anos, pouquíssimos brasileiros haviam ouvido falar de Brasiléia, pequena cidade do Acre, região esquecida no meio da floresta Amazônica, onde o Brasil faz fronteira com a Bolívia e com o Peru. Mas isso foi antes do município ser incluído no mapa internacional da diáspora haitiana.


Lá, cerca de 1,3 mil refugiados do país caribenho lotam um acampamento improvisado, passam a noite em colchões sobre placas de papelão e lutam por um prato de comida da mesma forma que disputam a oportunidade da obtenção de um visto humanitário, documento que abre o caminho para trabalharem na construção de usinas hidrelétricas da região ou nos estados mais ricos localizados ao sul.

A onda de imigração é motivada por uma combinação de decadência política com desastre natural. Após o recrudescimento de uma crise civil, um terremoto matou 217 mil pessoas no Haiti em 2009, desterrou meio milhão deles e, por pouco, não transformou a capital Porto Príncipe de cidade montanhosa em imensa planície.

O tempo passou e a região continuou em frangalhos, mesmo depois de bilhões de dólares em assistência internacional. E para não morrer de fome, sede e perspetivas, os habitantes locais começaram a fazer o que deles se esperavam – saírem correndo de lá. A maioria seguiu para os Estados Unidos, Canadá e França. Parte considerável, no entanto, rumou para Brasiléia, que tem cerca de 25 mil habitantes e algumas poucas pousadas destinadas a receber turistas que vão às compras na Bolívia. Cobija, a cidade peruana que está do outro lado da ponte, também é destino de consumo. Funciona como algumas cidades paraguaias vendendo eletrônicos sem impostos.

Até chegar a Brasiléia, os haitianos enfrentam uma verdadeira epopeia América adentro. Geralmente, iniciam a jornada na vizinha República Dominicana. De lá, partem para o Panamá e, após conexão, para Quito, no Equador. Depois seguem por uma dura jornada terrestre até Cuzco, no Peru. De Cuzco para Puerto Maldonado e de Puerto Maldonado para Inapari, já na fronteira com o Brasil.

O primeiro grupo de viajantes alcançou Brasiléia em dezembro de 2010. Eram 250 haitianos. De lá para cá, estima-se que 5 mil imigrantes atravessaram a fronteira do Acre com o Peru. Financeiramente, a movimentação contabiliza um custo de mais de US$ 1,5 milhão ao governo do Acre, que tenta – nem sempre com êxito – suprir os refugiados com alimentos e assistência básica.

A situação tem-se arrastado desde então. O Acre é um estado pobre, sem vocação econômica definida. Para piorar, fica longe de Brasília, é praticamente um outro mundo para quem mora no Rio de Janeiro e não desperta mais do que a curiosidade dos paulistas, que tocam o coração financeiro do Brasil. Isso até que, no começo do mês, o governador do Acre, Tião Viana, tentou uma cartada desesperada para chamar a atenção da opinião pública. Assinou decreto de emergência social e, apesar de pertencer ao Partido dos Trabalhadores (PT), o mesmo da presidente Dilma Rousseff, convocou a imprensa para criticar o Ministério das Relações Exteriores e da Justiça, de onde disse não receber ajuda, apesar de muito pedir.

"Temos tido um apoio muito tímido do Ministério da Justiça e uma insensibilidade marcante por parte do Ministério das Relações Exteriores. Por várias vezes eu já tratei dessa questão com o ministro Antonio Patriota, coloquei a gravidade da situação", afirmou Tião Viana.

A estratégia alcançou o objetivo esperado. Dias depois, uma força-tarefa foi enviada por Dilma à cidade. Integrada por diversos ministérios e órgãos da burocracia de Brasília, a caravana chegou em Brasiléia no final da primeira quinzena de abril. A expectativa é que, do esforço político, saiam soluções que aliviem a pressão na cidade e oferecem um mínimo de dignidade aos refugiados do país destroçado pela fome.

Até lá, no entanto, uma coisa é certa: o governo brasileiro manterá seu programa de paz no Haiti, que consiste na manutenção de militares no país, missão chancelada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Essa ação foi iniciada em 2004 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na ocasião tinha como uma de suas bandeiras a conquista de uma assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, objetivo que permanece latente no país.

De volta aos números, dados do Ministério da Defesa mostram que o Exército gastou, de abril de 2004 a novembro de 2012, US$ 946 milhões nesse programa, com resultados práticos duvidosos. Segundo o governo, não há previsão para a saída da tropa, que hoje é formada por 1.910 homens.

Pobreza extrema

Atualmente, a taxa de pobreza é altíssima no Haiti, que tem quase 80% da população vivendo com US$ 2 por dia. O índice de mortalidade infantil é de 60 crianças por mil, sendo que das que sobrevivem, 50% não frequentam as escolas. A lista da Transparência Internacional coloca o Haiti em 165º lugar em corrupção, numa escala que vai até 176.


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