domingo, 13 de janeiro de 2013

Em "áreas de influência", Brasil reforça foco em integração e cooperação

Para estudiosos, as ações econômicas e políticas brasileiras, especialmente na África, seriam de cunho "imperialista"

A maior prova de fogo para a presidente Dilma Rousseff e o chanceler Antonio Patriota nos dois anos do atual governo foi a destituição sumária, pelo Congresso do Paraguai, do presidente Fernando Lugo, em 22 de junho deste ano. Desafio ainda maior por ter ocorrido no âmbito de influência do Brasil e pela expectativa de que o país assuma definitivamente um papel de liderança no continente.

O governo brasileiro não demorou em qualificar a manobra como golpe de Estado e liderar a suspensão do país vizinho da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e do Mercosul, sob a justificativa da quebra da ordem democrática. Mas não parou por aí. Como a entrada da Venezuela de Hugo Chávez no bloco econômico dependia apenas da aprovação do parlamento paraguaio – os legislativos dos outros países membros já tinham dado o aval – o Brasil aproveitou a brecha criada pela punição ao Paraguai para ratificar a adesão da nação bolivariana como membro-pleno.

Em comunicado logo após a reunião que oficializou a expansão do Mercosul, realizada em 31 de julho, o Itamaraty afirmou: “a incorporação da Venezuela altera o posicionamento estratégico do bloco, que passa a estender-se do Caribe ao extremo sul do continente. O Mercosul se afirma, também, como potência energética global tanto em recursos renováveis quanto em não renováveis”. O bloco passou a contar com 70% da população, 72% da área e 83,2% do PIB sul-americano.

Wilson Dias/Agencia Brasil (03/08/2012)






Dilma Rousseff e Hugo Chávez assinam acordos para compra e venda de aeronaves da Embraer para os venezuelanos

“Foi um fato de muita importância, que fortalecerá o Mercosul de uma forma extraordinária”, avalia o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério das Relações Exteriores (2003-2009). Para Raúl Zibechi, editor do semanário uruguaio Brecha e autor do livro Brasil Potencia. Entre la integración regional y un nuevo imperialismo, a resposta brasileira à destituição de Lugo foi “contundente e potente”.

Em dezembro deste ano, foi a vez da Bolívia. No dia 7, no final da plenária da Cúpula de Chefes de Estado do bloco, em Brasília, o presidente boliviano, Evo Morales, assinou o protocolo de adesão, surpreendendo até os negociadores. “A permanência desse cenário global de crise torna ainda mais evidente a importância da nossa integração, que é o que nos fará mais fortes e aptos a enfrentar as turbulências do mercado internacional”, comemorou Dilma na ocasião.

O fortalecimento do Mercosul, comandado pelo Brasil, demonstrou que o foco na integração regional continua sendo prioridade do atual governo. “A Unasul e o Mercosul são os pilares mestres da liderança brasileira no continente e os arranjos de integração pelos quais o Brasil tem maiores interesses e nos quais procura atuar de forma mais decisiva”, analisa Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ela faz a ressalva, no entanto, de que a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), criada em 2010 para fazer contraposição à OEA (Organização dos Estados Americanos), vem recebendo menos atenção dos países da região e apresentando “significativo recuo” em sua construção.

Zibechi, por outro lado, chama a atenção para a importância do Brasil como impulsionador no último período do CDS (Conselho de Defesa Sul-Americano), órgão da Unasul que pretende promover o intercâmbio militar entre as nações do continente. Um dos passos mais ambiciosos nesse sentido foi dado no final de novembro deste ano, em Lima, durante a IV Reunião do CDS. Lá foi aprovado o Plano de Ação para 2013, que inclui uma série de iniciativas conjuntas na área, como a instituição de um fórum que discuta o estabelecimento de mecanismos e normas especiais para compras e desenvolvimento de produtos e sistemas militares na região. Na declaração final da reunião, os países sul-americanos reiteraram o compromisso de ampliar a cooperação em defesa e fortalecer o continente como zona de paz.

O poder brasileiro

A ascensão do Brasil como potência regional, sobretudo nos últimos dez anos, deve-se muito à sua expansão econômica, apontam especialistas. Mas não só a isso. Cristina Pecequilo ressalta a busca do país pela afirmação de uma presença internacional não só na América Latina, como também no continente africano. Segundo ela, seria uma forma de elevar seu poder. “Para isso, o Brasil tem como foco instrumentos de soft power, com perfil cooperativo, que se somam a essa reafirmação de liderança”, diz. Soft power, ou poder brando, é o tipo de influência exercida por um Estado especialmente por meios culturais ou ideológicos.

O embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Itamaraty, vai além. “[Seus agentes] são os atletas, os times de futebol, as empresas, a música, os filmes, e, inclusive, os brasileiros no exterior. Nossa diáspora é vista como trabalhadora e que se integra, fala as línguas locais. Isso faz parte de uma percepção do Brasil e do seu povo como uma nação que agrega, que é positiva, que tem soluções criativas”, diz. Citando os projetos de cooperação do Brasil na África e no Caribe, Nunes faz questão de frisar que há um desejo por parte do governo brasileiro de “fazer diferente do que faziam os outros países”. A gestão Dilma estaria consolidando tal postura.

José Cruz/ABr (20/09/2011)


Para o ex-alto-representante-geral do Mercosul Samuel Pinheiro Guimarães, postura brasileira frente a outros países não é imperialista 


O conceito de soft power para definir o poder exercido pelo Brasil na América Latina e na África, no entanto, é contestado por Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. “É um desses conceitos vagos, que servem para qualquer coisa e para nada ao mesmo tempo. A figura de Lula, seu discurso contra a fome e as notícias sobre as políticas sociais no Brasil, entre outros fatores, despertaram enorme simpatia pelo nosso país, mas daí a falar em soft power vai uma distância enorme.”

"Imperialimo"

Outros estudiosos, contudo, definem a atuação brasileira especialmente na África como “imperialista”. É o caso de Ana Saggioro Garcia, doutora em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pesquisadora do Brics Policy Center (BPC). Segundo ela, são evidentes os interesses econômicos e políticos do Brasil no continente africano, onde o país compete com outras potências por mercados e recursos naturais e pela construção de uma imagem de cooperador internacional. Na opinião da pesquisadora, a política externa de Dilma estaria aprofundando esse tipo de atuação.

“Eu enxergo o Brasil ocupando um lugar cada vez mais importante na estrutura da acumulação capitalista global. Nosso país atua dentro do capitalismo, por isso não tem como fugir do imperialismo. Imperialismo é poder econômico conjugado com poder político, e está clara a tentativa do Brasil de ser um poder regional, e, via essas relações Sul-Sul, ter mais poder no âmbito global. Almeja aumentar seu prestígio internacional, ter poder nas instâncias de concertação global. Não é uma amizade, uma dádiva, uma coisa que vai sem volta [a cooperação com os africanos]”, analisa.

De acordo com Ana, isso é sentido pelas populações locais principalmente por causa da atuação agressiva das empresas brasileiras nos países do continente. “É grosseiro mesmo, seja no âmbito mais institucional, de corrupção, seja em relações concretas de direitos humanos e sociais, como a atuação da [mineradora] Vale em Moçambique. Não avalio que o Brasil tenha chegado ao ponto de substituir as potências globais, mas essa postura imperialista é percebida pelas populações afetadas.”

Para Raúl Zibechi, o imperialismo ou o sub-imperialismo não podem ser decididos por um governo – são questões estruturais. Segundo ele, o Brasil não pode ser mais definido como sub-imperialista, pois tem capacidade própria de acumulação de capital e, pelo menos nos aspectos decisivos, não é mais um país dependente. “Isso não quer dizer que automaticamente deve-se colocá-lo como imperialista. Certamente há traços de imperialismo, mas no fundamental estamos diante de um cenário aberto, no qual jogam tanto o Brasil como os demais países da América do Sul, que é a região chave para os interesses do Brasil. Por isso falo de Brasil Potência e não de Brasil Império. Ainda há possibilidade de que as relações com seus vizinhos sejam de outro caráter que não a de dominação ou imposição”, explica.

Samuel Pinheiro Guimarães, por sua vez, qualifica como um “equívoco total” a definição do Brasil como um país imperialista nas suas relações com nações menos desenvolvidas. De acordo com o diplomata, o Brasil não força ninguém a adotar algum tipo de política – os países que o procuram, em busca de apoio, principalmente, para a realização de obras de infraestrutura para os quais não têm recursos. Em relação à atuação das empresas brasileiras no exterior, Guimarães avalia que o governo não é responsável. “O Brasil insiste que devem seguir as legislações locais. Ao financiar uma atividade em outro país, o governo assume que a empresa as está cumprindo. Além disso, cabe a cada país fazer valer suas leis”, acredita.

Fuser destaca que é preciso ter claro que o conceito de imperialismo vai muito além da simples exportação de capital por meio de investimentos empresariais. “Imperialismo é uma relação abrangente de dominação, que envolve, além do plano econômico, a dominação política e a supremacia militar, sem falar em fatores culturais e ideológicos". Esse não seria o caso do Brasil, defende.

TEXTO DE: OPERA MUNDI (especial diplomacia diferenças e semelhanças entre Lula e Dilma)

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