segunda-feira, 15 de abril de 2013

Proposta de diálogo de Seul é rejeitada pela Coreia do Norte



MARCELO NINIO, ENVIADO ESPECIAL A DANDONG

Na véspera da data mais importante do calendário do país, a Coreia do Norte rejeitou ontem a proposta de diálogo do governo sul-coreano, mantendo o tom de confronto das últimas semanas.

Ocupada com os preparativos para a celebração de hoje –do 101º aniversário de nascimento do fundador do país, Kim Il-sung–, a mídia norte-coreana abriu espaço para a reação de repúdio.

“Não passa de um astucioso truque para acobertar o crime de conduzir a zona industrial de Kaesong a uma crise”, atacou o regime de Kim Jong-un, neto de Kim Il-sung.

A Coreia do Sul havia proposto um diálogo para reativar o parque industrial de Kaesong, último projeto de cooperação entre os países, de onde os norte-coreanos retiraram, na semana passada, seus 53 mil operários.

A decisão foi mais um gesto de retaliação ao que os norte-coreanos chamam de atos de intimidação da Coreia do Sul, sobretudo os exercícios militares conjuntos atualmente realizados com os EUA.

Após rebater com dureza as ameaças da Coreia do Norte, que chegou a falar numa ofensiva nuclear, o governo sul-coreano baixou o tom nos últimos dias.

A recém-eleita presidente sul-coreana, Park Geun-hye, retomou seu discurso de campanha, afirmando estar interessada no diálogo para reconstruir a confiança entre os dois países, oficialmente em estado de guerra desde 1953.

Os EUA se uniram ao esforço. Em Seul, o secretário de Estado John Kerry disse na sexta que Washington não se opõe ao diálogo. China e EUA procuraram mostrar sintonia em relação ao objetivo de desnuclearização da península Coreana durante a visita de Kerry a Pequim, anteontem.

Principal aliado político e parceiro comercial da Coreia do Norte, a China tem dado mostras de estar revendo esse apoio, segundo analistas.

Um exemplo é o espaço crescente na imprensa estatal a comentaristas que apontam a beligerância norte-coreana como contrária aos interesses chineses.

Entre outras razões, por dar motivos para que os EUA aumentem sua presença militar na região. A expectativa de que Pyongyang fará um novo teste nuclear ou de mísseis aumenta com a festa nacional de hoje, cuja data poderia ser usada para uma demonstração de força.

A suposta ansiedade entre os chineses que vivem perto da fronteira com a Coreia do Norte também é citada como motivo para que Pequim endureça o tom com o aliado.

Segundo pesquisa do tabloide estatal “Global Times”, um terço dos moradores da região estão preocupados com o risco de uma guerra, com ênfase na enxurrada de refugiados norte-coreanos que o conflito provocaria.

Não foi o que a Folha percebeu entre os moradores de Dandong, cidade no nordeste da China de onde se avista o território norte-coreano.

“Não acredito em guerra”, disse o aposentado Wong. “E, mesmo se os refugiados vierem, a China é muito grande e pode absorvê-los”.

Em Tóquio, Kerry disse ontem que os EUA estão “totalmente determinados a defender o Japão”, outro alvo das ameaças da Coreia do Norte.


NOTA GeD: 

Como Obama está a fomentar uma crise na Península Coreana



Gregory Elich [*]

As relações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte atingiram um nadir e, na maior parte dos media ocidentais, fala-se da aparentemente irracional retórica dura vinda de que é acusada a Coreia do Norte. Inexplicavelmente, dizem-nos, a Coreia do Norte optou por elevar a tensão.

O que está a faltar nesta imagem do comportamento hostil norte-coreano e da imaculada inocência americana é contexto. Como é frequente, os media apresentam eventos de um modo isolado como se surgissem subitamente e sem qualquer causa. p>É preciso olhar para trás no tempo para perceber o que está a perturbar os norte-coreanos. Em meses recentes, a administração Obama deu um certo número de passos que a RDPC (República Democrática e Popular da Coreia, o nome oficial da Coreia do Norte) considerou ameaçadores.

O primeiro passo no caminho do agravamento das relações ocorreu em outubro de 2012, quando os Estados Unidos concederam à Coreia do Sul uma isenção sob o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, a qual permitiu estender o alcance dos seus mísseis balísticos de modo a que pudessem cobrir todo o território da RDPC. [1] Em consequência, houve um conjunto de termos que se aplicavam a todo o país que houvesse aderido ao tratado e um conjunto diferente que se aplicava só à Coreia do Sul, claramente com o propósito de alvejar o seu vizinho do Norte. 

Naquele mesmo mês, responsáveis militares dos EUA e Coreia do Sul encontraram-se para a Reunião anual Consultiva de Segurança, em que acordaram mudanças vastas na sua aliança. Ainda mais importante: eles desenvolveram um plano que denominaram "dissuasão sob medida" ("tailored deterrence"), o qual apela a operações militares conjuntas sul-coreanas-estadunidenses contra a Coreia do Norte num certo número de cenários, incluindo incidentes menores. Qualquer "provocação" por parte da Coreia do Norte é para ser respondida com força desproporcionada e, segundo responsáveis militares sul-coreanos, "esta estratégia será aplicada tanto em tempo de paz quanto de guerra". [2]

Uma componente essencial da dissuasão sob medida é uma "cadeia de destruição" ("kill chain") para rastrear e atacar sítios de mísseis norte-coreanos, em que satélites e drones americanos detectam alvos e mísseis e aviões de guerra sul-coreanos eliminam-nos. O plano apela a um ataque antecipativo (preemptive) baseado na percepção de um lançamento iminente de mísseis norte-coreanos. O vice-comandante do Comando Coreia das Nações Unidas, general Jan-Marc Jouas, explicou que mísseis norte-coreanos podiam ser rapidamente alvejados "antes de estarem em posição de serem empregados". [3] Para dizer isso em termos simples, poderia ser lançado um ataque a sítios de mísseis com base em suposições, mesmo quando mísseis norte-coreanos não estivessem numa posição de fogo. 

Em 13 de abril de 2012, a RDPC lançou em órbita um satélite de observação da terra, o que disparou condenações pela administração Obama, com a acusação de ser um teste disfarçado de míssil balístico. Resoluções da ONU proíbem a Coreia do Norte de testar mísseis balísticos, mas Pyongyang argumentou que enviar um satélite para o espaço não é a mesma coisa que efetuar um teste de míssil balístico. Peritos em tecnologia de mísseis tendem a concordar, destacando que ao míssil lançado pela RDPC faltava o desempenho para servir de ICBM e que a rota do seu voo adotou uma viragem aguda para evitar voar sobre Formosa e as Filipinas, uma ação que é contraproducente para um teste de míssil balístico. [4]

Vasos navais sul-coreanos conseguiram recuperar destroços do míssil norte-coreano. Análises efetuadas mostravam que um motor pequeno com um baixo impulso de 13 a 14 toneladas propulsionaram o segundo estágio. O engenheiro aeroespacial Marcus Schiller, baseado de Munique, informou que um segundo estágio de baixo impulso e queima longa, tal como o utilizado pelos norte-coreanos, é precisamente a concepção necessária para um lançador de satélite. Tal concepção é necessária para atingir uma altitude suficientemente elevada para colocar um satélite em órbita. Essa concepção, contudo, é inadequada para um teste de míssil balístico, pois ela faria perder mais de 1.000 km de alcance. Para testar um míssil balístico, o segundo estágio deveria ter a concepção oposta, tendo um alto impulso e tempo de queima curto. Schiller conclui que relatos dos media ocidentais de que o satélite norte-coreano serviu como teste de míssil balístico "não são verdadeiros". [5]

Michael Elleman, analista de segurança do International Institute for Strategic Studies, observa que os resultados de um lançamento de satélite "têm aplicação limitada para mísseis balísticos", pois só frações das questões em causa podem ser testadas. "Outras exigências, mais notavelmente tecnologias de re-ingresso e exigências de flexibilidade operacional, não podem ser tratadas adequadamente por lançamentos de satélites". Elleman informa que, por estas e outras razões, lançamentos de mísseis com satélite pela Coreia do Norte "não são um substituto para o teste de mísseis balísticos". [6]

Curiosamente, no mesmo dia em que a Coreia do Norte lançou o seu satélite para o espaço, a Índia, outra potência nuclear, testou o disparo de um míssil balístico sem que responsáveis estadunidenses expressassem uma queixa. [7] Os Estados Unidos não estão faltos de engenheiros aeroespaciais e responsáveis dos EUA certamente estavam consciente de que o lançamento do satélite da Coreia do Norte não podia tecnologicamente ser interpretado como um teste de míssil balístico disfarçado. Parece que a administração Obama deliberadamente optou por falsear a natureza do lançamento a fim de promover os seus próprios fins políticos. 

O lançamento do satélite proporcionou à administração Obama uma oportunidade para endurecer o nó corrediço em torno da Coreia do Norte e, após negociações extensas, conseguiu pressionar uma resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Como explicou a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Victoria Nuland, a intenção da administração Obama era "continuar a aumentar a pressão sobre o regime norte-coreano. E estamos a procurar a maneira de melhor fazer isso, a avançar tanto bilateralmente quanto com nossos parceiros. Até que eles obtenham a mensagem, vamos ter de continuar a fomentar o isolamento desse regime". [8]

Com a aprovação da resolução 2.087 de 22/janeiro/2013 do Conselho de Segurança da ONU, novas sanções foram impostas à Coreia do Norte, apesar do fato de que o tratado internacional do espaço exterior garante o direito de explorar o espaço a "todos os Estados sem discriminação de qualquer espécie". [9]

A Coreia do Norte reagiu furiosamente por ser discriminada como o único país sobre a terra ao qual é negado o direito de lançar um satélite. A RDPC não tendia a anuir à imposição de sanções adicionais, quando a sua economia já estava a cambalear com as sanções existentes. Um porta-voz da RDPC destacou que, ao forçar a resolução no Conselho de Segurança, os Estados Unidos haviam violado a Carta das Nações Unidas, a qual declara que "a Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros". 

Falando nas Nações Unidas, o delegado da RDPC, So Se Pyong, declarou: "Houve não menos de 2 mil testes nucleares e pelo menos 9 mil lançamentos de satélite no mundo desde que a ONU existe, mas nunca houve uma única resolução do seu Conselho de Segurança que proibisse testes nucleares e lançamentos de satélites". Acrescentando que os Estados Unidos haviam executado mais testes nucleares e lançamentos de satélite do que qualquer outro país, o delegado disse que não deveria ser permitido aos Estados Unidos bloquearem a Coreia do Norte de exercer o seu direito "a utilizar o espaço para fins pacíficos", nem utilizar as Nações Unidas "como uma ferramenta para executar a sua política hostil para com a RDPC". [10]

Sem qualquer surpresa, a Coreia do Norte optou por exprimir a sua resistência à agressividade da política estadunidense efetuando o seu terceiro teste nuclear em 12 de fevereiro de 2013. Vários dias depois, numa aparente referência ao Iraque e à Líbia, os media norte-coreanos recordaram os destinos que haviam acontecido àqueles países que haviam abandonado suas armas nucleares em resposta à pressão estadunidense. Esses exemplos, acrescentavam, "ensinam a verdade de que a chantagem nuclear dos EUA deveria ser contida com contramedidas substanciais, não com compromisso ou retirada".[11]

Um dia após o teste nuclear, o Ministério da Defesa Nacional sul-coreano anunciou que havia instalado mísseis de cruzeiro capazes de atingir qualquer lugar na Coreia do Norte e que aceleraria o desenvolvimento de mísseis balísticos de alcance semelhante. Além disso, a implementação da cadeia de destruição (kill chain) seria acelerada.[12] Planejada originalmente para estar completa em 2015, a cadeia de destruição está agora em vias de estar instalada no fim deste ano. [13]

Enquanto decorriam discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a imposição de sanções adicionais à Coreia do Norte, a União Europeia avançou com o seu próprio conjunto de medidas, incluindo uma proibição de comércio com entidades públicas norte-coreanas e de comércio com títulos públicos da RDPC. A UE também aplicou uma proibição à abertura de bancos europeus na RDPC e de bancos norte-coreanos estabelecerem uma agência na UE. [14]

Levou mais de três semanas para negociar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU em resposta ao teste nuclear norte-coreano. A questão mais contenciosa era incluir ou não o Capítulo 7º, Artigo 42, o qual teria autorizado imposição militar. Tanto os Estados Unidos quanto a Coreia do Sul argumentaram fortemente pela sua inclusão. Outra questão difícil era a inspeção de navios cargueiros norte-coreanos e houve discussão extensa antes de os Estados Unidos e a China acordarem na extensão de inspeções. [15]

Os chineses recusaram-se a acordar na imposição militar, certamente temendo que isso aumentaria o risco de guerra. Nem acompanharam algumas das medidas mais duras que os Estados Unidos haviam incluído, como uma lista de desejos na sua minuta. [16] A imposição militar teria sido particularmente perigosa, dada história de como o Artigo 42 serviu de caminho para os Estados Unidos travarem guerra. 

Embora os Estados Unidos não obtivessem tudo o que queriam, a aprovação da Resolução 2.094 em 7 de março de 2013 pelo Conselho de Segurança da ONU atingiu muitos dos objetivos que advogavam. A resolução exige a todos os países que inspecionem navios e aviões norte-coreanos que forem suspeitos de transportarem bens proibidos. Restrições fortes são aplicadas a operações bancárias norte-coreanas. É ordenado a países que impeçam indivíduos norte-coreanos de transferirem volume de dinheiro (bulk cash), incluindo pessoal diplomático, que passam a estar sujeitos a "vigilância agravada" em violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. [17] Ao visar diplomatas norte-coreanos para vigilância, buscas e detenção, os Estados Unidos têm como objetivo eliminar um dos poucos meios remanescentes que a RDPC tem para se envolver em transações monetárias internacionais. As sanções bancárias da ONU e dos Estados Unidos fizeram com que a maior parte dos bancos internacionais ficasse pouco desejosa de ter transações com a Coreia do Norte, forçando a RDPC a efetuar grande parte do seu comércio exterior na base de cash. 

É a medida de restringir negócios de bancos com a Coreia do Norte que promete infligir o maior dano à economia norte-coreana. "Perseguir o sistema bancário de um modo universal é comprovadamente a coisa mais forte na lista", observa antigo responsável do Departamento de Estado J. R. Revere. "Isso começa a morder na capacidade da Coreia do Norte para financiar muitas coisas". [18] Primariamente o comércio normal, dever-se-ia notar. 

Poucos dias depois, o Departamento do Tesouro dos EUA avançou com as suas próprias sanções, proibindo transações entre o Foreign Trade Bank da Coreia do Norte e indivíduos e negócios estadunidenses, e colocando um congelamento sobre ativos mantidos sob jurisdição dos EUA. O Foreign Trade Bank, destaca o Departamento do Tesouro, é "o banco primário do intercâmbio externo da Coreia do Norte". [19] A proibição efetivamente impede bancos e empresas em outros países de comerciarem com o Foreign Trade Bank, por temor de serem excluídos do contacto com o sistema financeiro dos EUA. "Quando há um banco estrangeiro com que bancos dos EUA não estejam a fazer negócios, bancos em outros países começam a evitar transações com ele", observa um especialista financeiro. "Eles ficam preocupados acerca de sofrerem eles próprios as consequências". Tipicamente, o comércio internacional está baseado no dólar, exigindo transações a processar através do sistema financeiro estadunidense. Por essa razão, "bancos chineses não vão ser capazes de ajudar a Coreia do Norte", acrescenta o analista financeiro. [20]

Pelo seu lado, a Coreia do Sul adotou políticas que agravam o perigo de guerra. Segundo um responsável militar sul-coreano, "Foi dada aos comandantes a autoridade para atuarem primeiro à vontade no caso de uma provocação norte-coreana para infligir uma retaliação que é mais de dez vezes tão dura quanto o nível da provocação". [21] O Diretor de Operações do Estado Maior das Forças Armadas, Kim Yong-hyon, declara que em resposta a um incidente as forças armadas sul coreanas "punirão resolutamente não só a origem da provocação como também suas forças que comandam". [22] Não é preciso muita imaginação para reconhecer como tal política tem o potencial para transformar uma escaramuça menor numa guerra. 

Os Estados Unidos e a Coreia do Sul assinaram recentemente um plano de contraprovocação, no qual forças estadunidenses são comprometidas a providenciar apoio quando forças sul-coreanas ataquem um alvo norte-coreano. O plano esclarece ações que devem ser tomadas como resposta a vários cenários. De acordo com um responsável militar sul-coreano, ele leva em conta a política sul-coreana "a qual apela ao lançamento de contra-ataque não só para a origem da provocação como também a forças que a apoiam e seus comandantes". Em alguns cenários "armas estadunidenses podiam ser mobilizadas para retaliar em águas territoriais e solo da Coreia do Norte". [23] O plano de contraprovocação requer à Coreia do Sul consultas com os Estados Unidos antes de entrar em ação, mas se Seul requerer assistência os Estados Unidos não podem se recusar a tomar parte em operações militares. [24]

Numa poderosa demonstração destinada a intimidar a Coreia do Norte, os Estados Unidos e a Coreia do Sul começaram o seu exercício militar anual Resolução Chave (Key Resolve) em 11 de março, sobrepondo-se ao exercício militar de dois meses Foal Eagle que começou a primeiro de março. Durante o exercício, bombardeiros B-52 com capacidade nuclear decolaram de Guam e praticaram o despejo de munições na Coreia do Sul. [25] Os comandantes estadunidenses sabiam que esta ação inflamaria sensibilidades norte-coreanas, dadas as dolorosas memórias que os norte-coreanos têm da Guerra da Coreia, quando bombardeiros estadunidenses executaram uma política de terra queimada e arrasaram toda cidade norte-coreana até ao solo. 

Os Estados Unidos mais uma vez agravaram a pressão sobre a RDPC com o envio do submarino USS Cheyenne, movido a energia nuclear, equipado com mísseis Tomahawk, para participar no Foal Eagle. [26] Logo após, bombardeiros B-2 Stealth voaram sobre a Coreia do Sul em exercícios militares. "Como o B-2 tem a função de invisibilidade ao radar, ele pode penetrar a defesa antiaérea para lançar armas convencionais e nucleares", comentou um responsável militar. "É a arma estratégica mais temida pela Coreia do Norte".[27] O B-2, dever-se-ia notar, é o único avião capaz de entregar a bomba Massive Ordnance Penetrator de 30 mil libras [13.590 kg], a qual pode perfurar através de 200 pés [61 m] de concreto antes de detonar. O avião também pode transportar múltiplas armas nucleares. Continuando a escalar a demonstração de força, os Estados Unidos enviaram a seguir aviões de combate F-22 Stealth à Coreia do Sul. [28] O governo sul-coreano pediu aos Estados Unidos para não mostrar os aviões em público porque isso seria uma provocação desnecessária à Coreia do Norte. O pedido foi desatendido pelos Estados Unidos. [29]

Num aumento do arsenal sul-coreano, os Estados Unidos aprovaram a venda de 200 bombas destruidores de bunkers, adequadas para alvejar instalações subterrâneas norte-coreanas. Os planos exigem que as bombas seja instaladas até o fim do ano. [30] A Coreia do Sul também planeia comprar à Europa 200 mísseis de cruzeiro Taurus, lançados do ar, os quais são capazes de penetrar até seis metros de concreto reforçado. [31]

Como parte do seu planejamento para contingências futuras, os Estados Unidos constituíram uma organização militar responsável pela entrada na Coreia do Norte e captura de instalações e armas nucleares no caso de uma crise na RDPC. Naquele cenário, as forças dos EUA também prenderiam "figuras-chave" e reuniriam informação classificada. Não foi revelado quais indivíduos norte-coreanos seriam sujeitos a prisão pelas forças dos EUA. A força seria composta por forças armadas dos EUA, operacionais de inteligência e pessoal antiterrorismo. Um ensaio de imitação a implementar o plano fez parte dos exercícios Key Resolve recentemente concluídos. [32]

Tendo feito tudo para provocar os norte-coreanos, a administração Obama agarrou a oportunidade para apontar a sua reação como justificação para instalar uma lista de desejos (wish list) de hardware anti-míssil. O Pentágono anunciou que estacionaria 14 interceptadores de mísseis adicionais em Fort Greely, Alasca e prosseguiria com o seu plano de colocar um segundo radar antimíssil no Japão. [33] Uma bateria Terminal High-Altitude Area Defense (THAAD) é prevista para ser exibida em Guam na sua primeira instalação,[34] e a plataforma SBX-1 X-Band Radar com base no mar está a mover-se para o Pacífico ocidental, que a Marinha diz poder ser o primeiro de outros posicionamentos navais. [35]

O Wall Street Journal relata que o espetáculo de força militar foi planejado antecipadamente, no que a administração Obama denominou "o manual de estratégia" ("the playbook"). Os Estados Unidos atuaram com intenção deliberada de ameaçar a Coreia do Norte. Segundo o artigo, a administração decidiu colocar o manual em "pausa" só quando os media revelaram a deslocação de dois destróiers com mísseis guiados para o Pacífico ocidental e foi sentido que talvez essa notícia arriscasse pressionar os norte-coreanos demasiado longe. O posicionamento dos destróiers, como foi dito, não era para ser publicitado. Os próximos passo no manual foram adiados. [36] Também foi informado que os Estados Unidos adiarão um voo de teste de um Minuteman ICBM em um mês a fim de não aumentar tensões. 

A percepção que a administração Obama pretende transmitir ao público estadunidense e mundial, portanto, é que os Estados Unidos estão a atuar responsavelmente a fim de neutralizar a situação. Um alto responsável da defesa, entretanto, disse: "Não havia ordem de segredo da Casa Branca" em relação ao posicionamento dos destróiers. Além disso, hardware militar recentemente posicionado não foi retirado, ao passo que o exercício combinado em grande escala dos EUA-Coreia do Sul, Foal Eagle, no degrau da porta da Coreia do Norte, continua sem pausa. [37]

Apesar das afirmações de que está a amortecer suas ações, a administração Obama está a fazer o oposto. Responsáveis dos EUA dizem que não pretendem entrar novamente em combate com a RDPC. [38] A dissuasão sob media e a cadeia de destruição estão em programação acelerada, colocando a Península Coreana à beira da guerra. Enquanto isso, os Estados Unidos estão a trabalhar arduamente para persuadir outros países a sancionarem o Foreign Trade Bank da RDPC e estão a considerar outros meios pelos quais possam levar a Coreia do Norte ao colapso econômico. Um responsável anônimo do Departamento de Estado dos EUA observou que ainda havia espaço para a ampliação de sanções. "Não sei o que acontecerá, mas não alcançamos o limite, ainda há espaço para mais, e temos de tentar". [39]

Responsáveis dos EUA pediram à União Europeia para sancionar o Foreign Trade Bank e novas discussões são expectáveis de acordo com estas linhas. [40] O Japão e a Austrália já concordaram e juntar-se aos Estados Unidos no sancionamento do banco, tanto o responsável do Departamento do Tesouro David Cohen quanto o secretário do Tesouro Jack Levy pediram à China para fazer o mesmo. [41] O presidente Obama fez um telefonema pessoal ao presidente chinês Xi Jinping, instando-o a sancionar o Foreign Trade Bank e responsáveis dos EUA continuam a pressionar a China, insistindo em que, se a China não "tomar posição" sobre a Coreia do Norte, os EUA aumentarão suas forças militares na Ásia. [42]

Essa consequência, os chineses certamente percebem, seria voltada tanto contra eles quanto contra a Coreia do Norte. A opção que a administração Obama está a oferecer é que os chineses possam ou observar os Estados Unidos expandirem sua militarização da região e endurecerem o seu cerco da China, ou dobrarem-se à pressão americana e cooperarem provocando a ruína econômica da Coreia do Norte. É provável que ao escolher a última opção os chineses venham a descobrir que os Estados Unidos não têm intenção de reduzir seu eixo central na Ásia e a sua presença militar na região cresceria sem dificuldades. 

Uma fonte diplomática revela que quer a China concorde ou não em acompanhar os pedidos estadunidenses, o efeito sobre a economia da Coreia do Norte pode ser o mesmo. "O que o governo dos EUA está à procura de aplicar pressão psicológica sobre bancos chineses. Se bancos dos EUA evitarem transações com bancos chineses que têm laços com bancos norte-coreanos na lista negra ou outras entidades, isso podia levar a efeitos semelhantes àqueles das sanções do boicote secundário". [43]

Sem qualquer dúvida, os responsáveis e os media norte-coreanos têm estado a emitir proclamações de cortar o fôlego, a efetuar ações como cortar a linha telefônica militar com a Coreia do Sul, a anunciar a intenção de reiniciar o reator nuclear de Yongbyon e a encerra temporariamente o Complexo Industrial de Kaesong, o que parece exacerbar tensões de forma imprudente. Contudo, há lógica no seu comportamento. A administração Obama nunca quis negociar com a Coreia do Norte e, claramente, pretende efetuar mudança de regime quando acumula sanções sobre sanções e desenvolve planos militares que ameaçam a existência da RDPC. Com efeito, ações dos EUA encorajaram a Coreia do Norte a desenvolver um programa de armas nucleares como seu único dissuasor realista contra ataques, dada a tecnologia obsoleta do seu armamento convencional. 

Entretanto, responsáveis norte-coreanos sabem que os EUA sabem que eles não têm uma arma nuclear utilizável, nem têm um veículo de entrega adequado. A RDPC tem opções limitadas e, por agora, responsáveis norte-coreanos aparentemente sentem que têm apenas duas opções. Podem ou aceitar docilmente ciclo após ciclo de punição enquanto testemunham desamparadamente o dano crescente à sua economia e as ameaças à sua nação, ou podem reforçar a sua retórica como meio de enviar uma mensagem aos Estados Unidos. Essa mensagem é de que se o Estados Unidos atingirem a Coreia do Norte obterão uma resposta mais forte do que esperam, que deveriam pensar duas vezes antes de atacar e que quanto mais os Estados Unidos exercerem pressão, mais a RDPC resistirá. 

Infelizmente, isso produz um ciclo de realimentação (feedback loop), em que, quanto mais os Estados Unidos punem a RDPC, mais fortemente os norte-coreanos resistem e, quanto mais resistem, mais punição vem a seguir. O único meio aparente de sair desse impasse é um processo de paz, mas a administração Obama permanece obstinadamente oposta a negociações. 
O analista de assuntos internacionais Chen Qi, da Universidade Tsinghua, destaca que os Estados Unidos "não respeitaram as preocupações de segurança da RDPC e que esta é a razão porque a questão nuclear na Península Coreia não foi resolvida". Chen sugere que "Washington pode querer que a questão nuclear de Pyonyang seja resolvida porque proporciona uma desculpa para a instalação de sistemas antimísseis e penetrações militares na região, as quais então alinham-se com o seu reequilíbrio militar no Extremo Oriente".[44] Os responsáveis dos EUA, deveriam ser mantidos em mente, nunca esconderam o seu desejo de provocar mudança de regime na Coreia do Norte, sem se importar com os perigos dessa política. 
Uma mudança na política estadunidense pode nunca acontecer a menos que a Coreia do Sul abra o caminho com firmeza e isso é uma perspectiva improvável no presente. Uma tal mudança pode ter de esperar cinco anos, quando a próxima eleição presidencial tiver lugar na Coreia do Sul. Isso é um longo tempo, dados os planos estadunidenses para elevar tensões na Península Coreana. Se a Coreia do Sul não demonstrar liderança para uma abordagem alternativa antes disso, a questão é por quanto tempo as tensões podem ferver sem transbordar uma crise perigosa.

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